ARQUIVO ATLAS #03


Aldeamentos Indígenas: guerra justa, influências nas culturas e trabalho escravo


Ailton Robson de Oliveira Ferreira

(Graduanda do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE)


A primeira impressão dos portugueses ao chegar ao território futuramente conhecido como Brasil causou estranheza com as populações nativas da região, iniciando um processo histórico que por muito tempo historiadores e antropólogos deram o nome de aculturação.

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências.

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El-rei dom Manuel sobre o achamento do Brasil, 1.º de maio de 1500.


Vindo com os portugueses como parte do processo de contrarreforma que ocorria na Europa no Século XVI, da propagação da fé cristã, padres missionários chegam em 1549 implantando um processo de catequização das populações ali presentes; sempre que o tema da catequização indígena é abordado, destacam-se apenas os investimentos dos padres no que se diz respeito a alcançar os povos e convencê-los a – muitas vezes de forma violenta – abandonar seus traços culturais ligados à religião e começar a trabalhar a conversão para torná-los novos cristãos, em permitir a criação destes núcleos de habitação conhecidos como Aldeamentos, ou a intenção dos indígenas quanto a real necessidade de aderir a este processo migratório.


Eisenberg explica que inicialmente os jesuítas iniciaram suas missões visitando as aldeias dos indígenas e ali realizavam trabalhos voltados a catequese, formalizando comunicação e talvez uma possível aliança, porém pelo tempo em que passavam ausentes dos povoados, acusavam os indígenas de serem preguiçosos por não darem continuidade às práticas da religião católica.

Entendendo então que os processos dos jesuítas em catequizar os indígenas não estavam surtindo o efeito esperado com as visitas aos povoados, tanto pela distância quanto pela cooperação e colaboração, alguns padres, com destaque os Padres Manuel de Nóbrega e José de Anchieta, idealizam uma reforma nas missões com o apoio da Coroa Real, que tinha como intenção o de alcançar tais indivíduos pensando na força de trabalho que poderia ser utilizada a seus interesses na colonização daquela terra, de forma então que conseguiria alcançar o índio sem precisar percorrer grandes distâncias.


Os índios tinham consentido em se mudar para a nova localidade porque confiavam em Anchieta, que tinha conseguido converter muitos índios através da cura [...] não bastava reunir os índios em um só local para adquirir a autoridade necessária para convertê-los; era preciso curá-los de suas doenças, coisa que poucos jesuítas sabiam fazer.

EISENBERG, 2000, p 90.


Os jesuítas visavam a catequização para nativos, extirpar seus vícios e realizar assim sua missão a qual tanto se dedicavam. Diante então da resistência dos índios, a conversão passa a sair de seus métodos amorosos e parte para o método do temor. Os colonos pensavam nos aldeamentos como simples redutos de mão-de-obra que sempre poderiam recorrer para realizar suas atividades, mas e os índios? Com a liberação da guerra justa, o risco de escravização e os conflitos com povos indígenas rivais que se aliavam a outros europeus, eles buscavam nos aldeamentos o direito a terras e a proteção, mesmo que para isso fosse necessário a submissão à coroa portuguesa e às leis jesuíticas.


Pesquisas realizadas nas últimas décadas apontaram que os indígenas também se aproveitaram deste movimento de descimento e formação de aldeamentos, como aponta a Profª Maria Regina Celestino ao procurar entender e explicar as funções e significados dos aldeamentos diante dos diferentes agentes (coroa, missionários, colonos e indígenas), o que influenciava em sua dinâmica interna variando de região e como a administração era exercida; uma gestão coberta de conflitos de interesses, influências e como a autora mesmo aponta:


Pode ser melhor compreendida se pensarmos como Gerald Sider sobre a necessidade de se reformular o conceito de cultura ao lidar com grupos étnicos em condições de subordinação.

CELESTINO, 2013, p 135


Analisando então pela definição de Gerald Sider, ao impor o entendimento da cultura na condição de subordinação, Celestino destaca a luta constante sobre o compartilhamento de valores e significados entre os agentes distintos presentes na região.


Em poucas palavras, com o projeto de aldeamentos, podemos entender que os indígenas buscavam em sua maioria terra e proteção, os missionários e a coroa buscavam súditos e novos convertidos para o cristianismo e os colonos queriam se aproveitar da mão de obra barata, muitas vezes chegando a trabalho escravo, em regiões como São Paulo.



Aliás, entendendo a questão do trabalho escravo, geralmente os indígenas eram retratados como preguiçosos ou inaptos para o trabalho. Por décadas a presença do trabalho indígena era voltada à imagem construída no século XIX, do preguiçoso ao herói, como Arariboia ou Filipe Camarão, que mantinha uma aliança para com os colonizadores portugueses a qual fornecia mão de obra militar enquanto obtinha status entre os seus e os europeus . Autores como Eisenberg, Sposito, Almeida  apontam o surgimento do trabalho indígena a partir das políticas de aldeamentos, a qual os jesuítas atuam de forma a integrar os indígenas meio a um esquema organizacional que, depois de inseridos, aprendiam a viver sob costumes sociais instituídos sob costume europeu.


Se o primeiro dos objetivos dos jesuítas – o de salvar almas – não se cumpriu, o segundo, que era servir a colonização, de certo modo foi atingido. [...] O catecúmeno era muito mais dócil que o pagão. Muito se empenharam os jesuítas para transformar o índio em trabalhador obediente e disciplinado, em vencer a resistência a um trabalho constante e contínuo e a uma atividade mercantil com cujos propósitos não podia atinar.

RIBEIRO, 2001, pág. 47


Podemos então entender que a trajetória do indígena no período colonial não foi um período de ação passiva, mas de participação efetiva mediante seus interesses, encontrando nos aldeamentos proteção de grupos rivais, além de encontrar formas de terem suas necessidades atendidas pela coroa, já que nesse ensejo, buscavam súditos considerados “mansos” para a realização de seu propósito colonial no Brasil. Entende-se também que ao fim do período colonial, por muito tempo foi trabalhado a condição de apagamento do indígena mediante sua integração em uma sociedade colonial construída por Portugal e forçadamente implantada em suas colônias; condição esta que torna-se descartada ao entender a participação indígena em todo cenário histórico nacional, principalmente no século XIX onde a condição fora por muito tempo utilizada.


REFERÊNCIAS


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