ARQUIVO ATLAS #05


Pioneirismo do movimento feminista em Pernambuco


Bruna Laysa de Lima Gomes

(Graduanda do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE)


Muito se fala sobre o feminismo, e a constante (e ainda recorrente) caminhada das mulheres em busca da emancipação. O movimento feminista é uma mobilização filosófica, social e política, que manifesta-se em diversos locais do planeta, tendo eclodido no Brasil durante o século XIX, durante a transição da monarquia para a república, época em que a visão da sociedade para com as mulheres ainda era recheada de diferentes formas de coisificação e sexismo.

Sendo advindo de países europeus e dos Estados Unidos, o debate acerca do feminismo logo tornou-se amplo em todo Brasil, e foi institucionalizado em Pernambuco no ano de 1931, com a criação da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (FPPF), uma espécie de filial da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF). Presidida pela feminista Edwiges de Sá Pereira, a FPPF era pautada de algumas metas, como a inclusão das mulheres no mercado de trabalho, a criação de uma Escola de Oportunidades para qualificação educacional e profissionalizante das mulheres, a luta pelo direito ao voto feminino, e a construção de um eleitorado feminino. Edwiges tinha uma relação amistosa com a ativista Bertha Lutz, uma das primeiras idealistas do feminismo no Brasil, e presidente da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.

Em 1931, ocorreu no Rio de Janeiro o II Congresso Internacional Feminista, que teve as questões do âmbito trabalhista e educação feminina como principal foco de discussão, tendo Edwiges de Sá apresentado a tese “Pela mulher, para a mulher” (PEREIRA, 1932). Em sua tese, Edwiges mapeou a história da mulher na sociedade brasileira, e categorizou as mulheres de três formas diferentes: a que precisa e não sabe trabalhar, a que precisa e sabe trabalhar, e a que não precisa trabalhar. Essa categorização ocorreu para que, segundo a sua tese, as mulheres da elite e da classe média (a que não precisa trabalhar, e a que precisa e sabe trabalhar) exercessem um papel de protagonismo, impedindo que a terceira categoria de mulheres (aquelas que precisam e não sabem trabalhar) mergulhassem em um cenário de precariedade econômica, o que resultaria numa equidade maior entre as diferentes classes femininas no Brasil e em Pernambuco. 

Todavia, é de suma importância citar que Edwiges se contrapôs ao modelo feminista idealizado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino quando, em sua tese, defendeu radicalmente os princípios católicos, manifestando-se contra o divórcio. Afirmou ao “Diário de Pernambuco” o seguinte: “Somos católicas e não compreendemos as reivindicações femininas fora desses princípios. Somos pela indissolubilidade do matrimônio como condição máxima de garantia da família, da estabilidade do lar, da moral social, enfim” (30 de março de 1933: 1). Além disso, Edwiges também era contrária ao ensino laico. Pode-se concluir, então, que os ideais da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino caminhavam lado a lado com o catolicismo. 

Em contraste com esse pensamento feminista de cunho um tanto quanto conservador, destacava-se Martha de Hollanda Cavalcanti, outra importante pioneira do feminismo em Pernambuco. Martha, que chegou a presidir a Cruzada Feminista Brasileira em 1931, visava o acesso feminino em todos os âmbitos civis e, principalmente, políticos, além de contrariar arduamente a FPPF quanto aos ideais católicos e conservadores andando lado a lado com os preceitos feministas. Ao contrário de Edwiges, Martha era favorável ao divórcio e ao ensino laico, e por isso a sua trajetória no feminismo foi menos aceita pela sociedade excessivamente conservadora e patriarcal da época, além de ter obtido muito menos visibilidade na mídia.

Em 15 de março de 1933, Martha de Hollanda teria conseguido o alistamento eleitoral por meio de uma luta judicial, obtendo assim o direito de votar e ser votada. Entretanto, Martha não foi a primeira eleitora pernambucana, sendo a artista, feminista e membro da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino, Celina Nigro, a pioneira do voto feminino em Pernambuco, qualificando-se em 28 de dezembro de 1932.

É valido pontuar que enquanto todo o meio midiático de Vitória de Santo Antão, cidade natal de Martha, creditava sua conterrânea pela conquista do pioneirismo ao voto feminino, o Diário de Pernambuco, sediado em Recife, creditava Celina pelo feito, o que gerou uma certa disputa na mídia local.

Com o grau de debate quanto a questão do voto feminino crescendo em Pernambuco, cada vez mais mulheres ficavam a par da importância de aderir a esse direito, e nas eleições para representação na Assembleia Constituinte de 1933, cerca de 200 mulheres pernambucanas se alistaram para o voto, e duas mulheres concorreram com candidatura: Edwiges de Sá (Partido Economista de Pernambuco), tendo sua campanha altamente disseminada pelo Diário de Pernambuco, e Martha de Hollanda (inicialmente tentou se candidatar pelo Partido do Interventor Estadual, mas por fim candidatou-se sem partido), que pela falta de apoio midiático, não teve seu nome tão propagado no ano das eleições. No entanto, nenhuma das duas foram eleitas, tendo continuado Pernambuco apenas com representantes homens na política.

É inegável a demasiada importância dos debates, das lutas e das conquistas acerca do feminismo para a sociedade pernambucana. Com as diversas modernizações urbanas que aqui ocorriam, o ideal feminista trouxe junto consigo uma nova visão quanto ao papel das mulheres na sociedade, seja no âmbito social, político, econômico, trabalhista ou familiar. Mesmo que de forma gradual, esse movimentou resultou em uma melhora na qualidade de vida de muitas mulheres pernambucanas.

Contudo, é necessário destacar que há uma desigualdade na forma em que o movimento feminista contemplou as mulheres em suas diferentes classes e raças, não só em Pernambuco, como em qualquer outro local do mundo. Aqui, enquanto as mulheres de classes mais abastadas lutavam em prol do direito ao voto feminino, as mulheres de classes do operariado mal tinham instrução para acompanhar as pautas do movimento, assim como as mulheres negras ainda colhiam os frutos da escravidão tardiamente abolida. Neste período, apenas as mulheres da burguesia eram favorecidas com as conquistas do movimento feminista e sufragista, ou seja, uma minoria. Para a maioria das mulheres pernambucanas, ainda seria necessária uma luta contra as barreiras de classe e raça. Luta essa que permanece até os dias hoje e, infelizmente, encontra-se longe de acabar.

REFERÊNCIAS:

  • FACUNDES, Emelly Sueny Fekete. Uma das faces do feminismo em Pernambuco : transgressões e permanências na trajetória da Federação Pernambucana pelo Progresso Feminino (1931-1937). 2018. 181 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em História) – Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife. Disponível em: <http://www.tede2.ufrpe.br:8080/tede2/handle/tede2/7811>. Acesso em: 22 jul 2020.
  • NASCIMENTO, Alcileide Cabral do. O bonde do desejo: o movimento feminista no Recife e o debate em torno do sexismo (1927-1931). Rev. Estud. Fem., Florianópolis , v. 21, n. 1, p. 41-57, abr. 2013. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2013000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 22 jul. 2020.
  • SILVA, Marcelo Melo da. O feminismo no Recife e a questão do voto (1931-1934). Um debate historiográfico. Disponível em: <http://www.ufpb.br/evento/index.php/18redor/18redor/paper/view/1170/775>. Acesso em: 22 jul. 2020.
  • SIQUEIRA, Olívia Tereza Pinheiro de. Pela mulher brasileira, para a mulher pernambucana: a institucionalização do Movimento Feminista em Pernambuco (1924-1931). Disponível em: <https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338420064_ARQUIVO_OliviaTereza-ArtigoPELAMULHERBRASILEIRA,PARAMULHERPERNAMBUCANA_1_.pdf&ved=2ahUKEwj3i4SVtOLqAhWIHrkGHSFAJAQFjAAegQIAhAB&usg=AOvVaw0wYt4m-JNzSU8RHRgjfDOL>. Acesso em: 22 jul. 2020.

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